sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

PINTANDO PELA AMÉRICA LATINA-2

CHILE
 
Os artistas da América Latina nem sempre são  merecidamente  reconhecidos .
Conhecemos Duchamp, Pollok e outros, mas,  poucos conhecem o chileno Roberto Matta.

                                  MATTA"o sol para quem sabe congregar"


 

Nascido no Chile em 11 de 11 de 1911, formou-se arquiteto aos 22 anos e partiu para a Europa onde trabalhou no projeto “cidade radiante” com o pintor, arquiteto e teórico franco-suíço Le Corbusier (1887-1965). Ao final de 1934 visitou a Espanha, onde conhece, na casa de seus tios diplomatas, o poeta chileno Pablo Neruda (1904-1973) e os poetas espanhóis Rafael Alberti (1902-1999), e Federico García Lorca (1898-1936). Desse último Matta dirá: “Lorca é um rio desbordante de energia, nunca havia conhecido ninguém como ele, uma raridade do sistema nervoso da espécie”. Federico García Lorca apresentara-o ao pintor Salvador Dali (1904-1989), que animou Matta a mostrar alguns de seus desenhos ao poeta francês fundador do movimento surrealista André Breton (1896-1966). A relação de Matta com Dali e Breton influenciou sua formação artística e conectou-o posteriormente com o movimento surrealista. No verão de 1936 vai a Lisboa com a poeta chilena Gabriela Mistral (1889 -1967), que o apresenta à obra do cubano José Marti (1853-1895) e ao programa revolucionário de José Vasconcelos (1882-1959), dedicado às brigadas culturais no México. Neste mesmo ano trabalhou em Londres com o arquiteto alemão Walter Gropius (1883-1969) e o artista húngaro László Moholy-Nagy (1895-1946), ambos professores da Bauhaus, escola que expressou novas linhas do pensamento artístico, técnico e filosófico. Ademais conheceu o escultor britânico Henry Moore (1898-1986) e se relacionou com importantes artistas e intelectuais como o pintor belga René Magritte (1898-1967) e o artista, poeta e crítico de arte britânico Roland Penrose (1900-1984). Em 1937 Matta assistiu à exposição da “Guernica” de Pablo Picasso (1881-1973) no Museu do Prado, o que o impressiona e influencia. Em pouco tempo conhece os artistas Marcel Duchamp, Yves Tanguy, Joan Miró, Piet Mondrian, Fernard Léger e Max Ernst.

 O verão de 1938 marca a evolução do trabalho de Matta, do desenho à pintura. Termina suas primeiras pinturas a óleo, as psicológicas" e que mais tarde denominou "inscape" (paisagem interior). Depois de participar como membro do grupo na Exposição Internacional do Surrealismo em 1938, abandona Paris no início da segunda guerra mundial; por sugestão de Marcel Duchamp (1887-1968), instala-se em Nova York. Matta, a esta altura, começaria o trabalho de construção de sua paisagem visionária do subconsciente. Enquanto isso, buscava novas forças e aprendia com seu mentor, o pintor americano de origem francesa Yves Tanguy (1900-1950), com pinturas e desenhos que lembram pintores do século XV e XVI, Bosch ou Bruguel. Entre 1939 e 1945 Matta pinta alguns quadros extraordinários, quando se opera uma mudança radical na arte surrealista: a fusão do erotismo, o humor e a nova física. Matta introduz uma visão não figurativa: seus quadros não são transcrições de realidades vistas ou sonhadas, e sim recriações de estados anímicos e espirituais. Foi uma mudança ousada que transformou o rumo da pintura surrealista e lançou luzes aos jovens artistas dos Estados Unidos, entre eles: Jackson Pollock, Arshile Gorky, Mark Rothko, Willem de Kooning, William Baziotes e Robert Motherwell. Com tais artistas relacionou-se nesses anos, difundindo seu “automatismo rígido ou automatismo absoluto”, que proporcionou o impulso decisivo ao expressionismo abstrato nos meados do século XX. Nas palavras de Matta: “o que eu dizia era que não tinha que partir de uma folha em branco, porque aí a gente só projeta o que conhece. Se alguém parte de manchas e as lê pelo método alucinatório, automático, poderá ver coisas que vêm do desejo oculto”. Manchar a tela para que se apresente o processo alucinatório e “pressentir” o quadro. Em artigo acerca dos mestres da pintura latino-americana, Kathy Zimmerer descreve a Crucificação (Croix Fiction, 73x91.7cm.) de 1938 como "envolventes formas biofórmicas que se transformam em um fluxo que cruza toda a tela. A luminosidade de sua paleta, o vermelho carmim, os amarelos, o azul e o negro definem contornos de formas orgânicas, que produzem uma metamorfose". Crucificação é representativa do período não figurativo de Matta, no qual o artista desenvolveu sua gama de cores com as quais consegue criar espaços e formas enérgicas. Sua exposição de 1942, “A terra é um homem”, foi saudada por André Breton como um dos grandes momentos da visão surrealista do homem e do mundo. Breton se pergunta: “O que quer dizer A terra é um homem”? O que há aí dentro?” Anos mais tarde Jean-Claude Carrière insiste com a pergunta: “Você não sabe o que quer dizer?” Matta responde: “Não. Percebo, recebo, manifesto. Ocorro. Sou uma ocorrência. Isso é tudo o que faço. Manifesto espaços”. Originalmente esse nome leva uma homenagem a García Lorca, assassinado em agosto de 1936 – 162 cenários titulados la terre est un homme. O poeta e diplomata mexicano Octavio Paz (1914-1998) escreve um poema em prosa chamado “La casa de la Mirada” [“A casa do Olhar”], uma sensível homenagem ao trabalho criativo de Matta; eis um fragmento: “A terra é um homem, disseste mas o homem não é a terra, o homem não é este mundo nem os outros mundos que há neste mundo e nos outros o homem é o momento em que a terra duvida de ser terra o mundo de ser mundo, o homem é a boca que macula o espelho das semelhanças e das analogias, o animal que sabe dizer não e assim inventa novas semelhanças e diz sim, o equilibrista vendado que baila sobre a corda frouxa de um sorriso, o espelho universal que reflete outro mundo ao repetir este, o que transfigura o que copia, o homem não é o que é, célula ou deus, senão o que está sempre mais além”. Em 1946 Marcel Duchamp escreverá: “Sua primeira contribuição para a pintura surrealista, e a mais importante, foi o descobrimento de regiões do espaço, desconhecidas até então no campo da arte”. Referindo-se à sua pintura, o poeta Octavio Paz nos diz: “Ante seus quadros há de se falar muito mais de explosão interior. Só que o mundo interior que revela Matta também é o exterior. Núpcias entre a paixão e a cosmogonia da física moderna e do erotismo”.

Para Roberto Matta o papel do artista é a provocação para que a estética não se ponha estática; a função do artista na sociedade é denunciar o escândalo. Uma de suas divisas: “o sol para quem sabe congregar”. Logo começará a distanciar-se dos pintores norte-americanos, apesar de manter sua fé na ciência, e assinala que o mundo está Californizado, criticando o Vampire States, e os United Snakes of América. Depois da segunda guerra Matta regressa à Europa. Em 1947, afasta-se do mundo surrealista e através de uma negação introduz em sua pintura a figuração; depois de haver profetizado o expressionismo abstrato, descobre outro território da imaginação povoado de seres, que evocam tanto personagens de ficção científica quanto figuras dos códices pré-colombianos do México. Uma pintura narrativa, a pintura que conta, pintura que é mito, lenda, fábula, adivinhação. Muito de seu trabalho consistiu em tratar temas relacionados com os acontecimentos que ocorriam em lugares como Vietnam, Santo Domingo e Alabama. Sua produção dos anos 60 teve um acento político e espiritual. Em entrevista publicada na Revista Proa (Janeiro - Fevereiro de 1999, Buenos Aires, Argentina), Ana Martínez Quijano comenta: “Peggy Guggenheim conta em suas memórias que o FBI pretendia que ela o acusasse de ser um espião”. Matta responde: “Sim” e nos diz mais: “Me acusam de qualquer coisa. Um dia peguei uma maleta e nunca mais voltei. Mas nos Estados Unidos tinha muita coisa, havia comprado objetos peruanos e mexicanos, tinha vários De Chirico autênticos e deixei tudo com Pierre Matisse, meu marchand. Disse-lhe: quando me instalar, você os envia para mim, mas nunca me mandou nada”. Matta é um criador - colecionador, principalmente de sua própria obra que cresce dia a dia. Uma coleção enriquecida no ano de 1938, ao adquirir uma edição da Caixa Verde de Marcel Duchamp, a quem visitava regularmente em seu estúdio para efetuar os pagamentos. Outro exemplo: em 1943 adquiriu também uma obra originalíssima do destacado escultor e pintor suíço Alberto Giacometti (1901-1966).
 
 
 
 
        

Nos anos seguintes realizam-se várias exposições da obra de Matta em diversas partes do mundo e o artista participa em inúmeros eventos artísticos. Em 1985 recebe a medalha de ouro das Belas Artes no Museu do Prado na Espanha; em 1991 o Prêmio Nacional de Arte no Chile; em 1992 o Prêmio Príncipe de Astúrias das Artes; em 1995 o Prêmio Imperial, pela obra de toda uma vida no Japão, em 1998 o Prêmio de Honra no Art Miami, USA. Realizam-se retrospectivas de seu trabalho no centro Pompidou em Paris, em Tóquio, Bochum - Alemanha, Milão, Buenos Aires, Santiago e no Museu Reina Sofía na Espanha no ano de 1999. Uma trajetória de êxito e honra. Ele é antes de tudo uma consciência lúcida da história universal da arte do século XX; soube permanecer só e dizer não. Iluminam-no os dois sóis, uma vez mais Octavio Paz acerta no alvo, o da praça e o da cela, nas palavras de Matta: “esse sentimento de homem abandonado, quase desesperado, se parece à condição do artista em seus primeiros anos, quando o artista vai em busca de uma linguagem”. Não pára de pintar, esculpir, desenhar com computadores, iluminar, discutir, comover; vive em Londres, se instala em Paris, viaja para o Chile, Argentina e Peru, visita várias vezes La Habana, volta ao México, se instala em Tarquinia, ao norte de Roma, onde morre aos 92 anos .

revista de cultura # 54
Fortaleza, São Paulo - novembro/dezembro de 2006


 

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