CHILE
Os artistas da América Latina nem sempre são merecidamente reconhecidos .
Conhecemos Duchamp, Pollok e outros, mas, poucos conhecem o chileno Roberto Matta.
MATTA"o sol para quem sabe congregar"
Nascido no Chile em 11 de 11 de 1911, formou-se arquiteto aos 22 anos e
partiu para a Europa onde trabalhou no projeto “cidade radiante” com o pintor,
arquiteto e teórico franco-suíço Le Corbusier (1887-1965). Ao final de 1934
visitou a Espanha, onde conhece, na casa de seus tios diplomatas, o poeta
chileno Pablo Neruda (1904-1973) e os poetas espanhóis Rafael Alberti
(1902-1999), e Federico García Lorca (1898-1936). Desse último Matta dirá:
“Lorca é um rio desbordante de energia, nunca havia conhecido ninguém como ele,
uma raridade do sistema nervoso da espécie”. Federico García Lorca
apresentara-o ao pintor Salvador Dali (1904-1989), que animou Matta a mostrar
alguns de seus desenhos ao poeta francês fundador do movimento surrealista
André Breton (1896-1966). A relação de Matta com Dali e Breton influenciou sua
formação artística e conectou-o posteriormente com o movimento surrealista. No
verão de 1936 vai a Lisboa com a poeta chilena Gabriela Mistral (1889 -1967),
que o apresenta à obra do cubano José Marti (1853-1895) e ao programa
revolucionário de José Vasconcelos (1882-1959), dedicado às brigadas culturais
no México. Neste mesmo ano trabalhou em Londres com o arquiteto alemão Walter
Gropius (1883-1969) e o artista húngaro László Moholy-Nagy (1895-1946), ambos
professores da Bauhaus, escola que expressou novas linhas do pensamento
artístico, técnico e filosófico. Ademais conheceu o escultor britânico Henry
Moore (1898-1986) e se relacionou com importantes artistas e intelectuais como
o pintor belga René Magritte (1898-1967) e o artista, poeta e crítico de arte
britânico Roland Penrose (1900-1984). Em 1937 Matta assistiu à exposição da
“Guernica” de Pablo Picasso (1881-1973) no Museu do Prado, o que o impressiona
e influencia. Em pouco tempo conhece os artistas Marcel Duchamp, Yves Tanguy,
Joan Miró, Piet Mondrian, Fernard Léger e Max Ernst.
O verão de 1938 marca a evolução do trabalho
de Matta, do desenho à pintura. Termina suas primeiras pinturas a óleo, as psicológicas"
e que mais tarde denominou "inscape" (paisagem interior). Depois de
participar como membro do grupo na Exposição
Internacional do Surrealismo em 1938, abandona Paris no início da segunda
guerra mundial; por sugestão de Marcel Duchamp (1887-1968), instala-se em Nova
York. Matta, a esta altura, começaria o trabalho de construção de sua paisagem
visionária do subconsciente. Enquanto isso, buscava novas forças e aprendia com
seu mentor, o pintor americano de origem francesa Yves Tanguy (1900-1950), com
pinturas e desenhos que lembram pintores do século XV e XVI, Bosch ou Bruguel.
Entre 1939 e 1945 Matta pinta alguns quadros extraordinários, quando se opera
uma mudança radical na arte surrealista: a fusão do erotismo, o humor e a nova
física. Matta introduz uma visão não figurativa: seus quadros não são
transcrições de realidades vistas ou sonhadas, e sim recriações de estados
anímicos e espirituais. Foi uma mudança ousada que transformou o rumo da
pintura surrealista e lançou luzes aos jovens artistas dos Estados Unidos,
entre eles: Jackson Pollock, Arshile Gorky, Mark Rothko, Willem de Kooning,
William Baziotes e Robert Motherwell. Com tais artistas relacionou-se nesses
anos, difundindo seu “automatismo rígido ou automatismo absoluto”, que
proporcionou o impulso decisivo ao expressionismo abstrato nos meados do século
XX. Nas palavras de Matta: “o que eu dizia era que não tinha que partir de uma
folha em branco, porque aí a gente só projeta o que conhece. Se alguém parte de
manchas e as lê pelo método alucinatório, automático, poderá ver coisas que vêm
do desejo oculto”. Manchar a tela para que se apresente o processo alucinatório
e “pressentir” o quadro. Em artigo acerca dos mestres da pintura
latino-americana, Kathy Zimmerer descreve a Crucificação
(Croix Fiction, 73x91.7cm.) de 1938
como "envolventes formas biofórmicas que se transformam em um fluxo que
cruza toda a tela. A luminosidade de sua paleta, o vermelho carmim, os
amarelos, o azul e o negro definem contornos de formas orgânicas, que produzem
uma metamorfose". Crucificação é representativa do período não figurativo
de Matta, no qual o artista desenvolveu sua gama de cores com as quais consegue
criar espaços e formas enérgicas. Sua exposição de 1942, “A terra é um homem”,
foi saudada por André Breton como um dos grandes momentos da visão surrealista
do homem e do mundo. Breton se pergunta: “O que quer dizer A terra é um homem”? O que há aí dentro?” Anos mais tarde
Jean-Claude Carrière insiste com a pergunta: “Você não sabe o que quer dizer?”
Matta responde: “Não. Percebo, recebo, manifesto. Ocorro. Sou uma ocorrência.
Isso é tudo o que faço. Manifesto espaços”. Originalmente esse nome leva uma
homenagem a García Lorca, assassinado em agosto de 1936 – 162 cenários
titulados la terre est un homme. O
poeta e diplomata mexicano Octavio Paz (1914-1998) escreve um poema em prosa
chamado “La casa de la Mirada” [“A casa do Olhar”], uma sensível homenagem ao
trabalho criativo de Matta; eis um fragmento: “A terra é um homem, disseste mas
o homem não é a terra, o homem não é este mundo nem os outros mundos que há
neste mundo e nos outros o homem é o momento em que a terra duvida de ser terra
o mundo de ser mundo, o homem é a boca que macula o espelho das semelhanças e
das analogias, o animal que sabe dizer não e assim inventa novas semelhanças e
diz sim, o equilibrista vendado que baila sobre a corda frouxa de um sorriso, o
espelho universal que reflete outro mundo ao repetir este, o que transfigura o
que copia, o homem não é o que é, célula ou deus, senão o que está sempre mais
além”. Em 1946 Marcel Duchamp escreverá: “Sua primeira contribuição para a
pintura surrealista, e a mais importante, foi o descobrimento de regiões do
espaço, desconhecidas até então no campo da arte”. Referindo-se à sua pintura,
o poeta Octavio Paz nos diz: “Ante seus quadros há de se falar muito mais de
explosão interior. Só que o mundo interior que revela Matta também é o
exterior. Núpcias entre a paixão e a cosmogonia da física moderna e do
erotismo”.
Para Roberto Matta o papel do
artista é a provocação para que a estética não se ponha estática; a função do
artista na sociedade é denunciar o escândalo. Uma de suas divisas: “o sol para
quem sabe congregar”. Logo começará a distanciar-se dos pintores
norte-americanos, apesar de manter sua fé na ciência, e assinala que o mundo
está Californizado, criticando o Vampire States, e os United Snakes of América. Depois da
segunda guerra Matta regressa à Europa. Em 1947, afasta-se do mundo surrealista
e através de uma negação introduz em sua pintura a figuração; depois de haver
profetizado o expressionismo abstrato, descobre outro território da imaginação
povoado de seres, que evocam tanto personagens de ficção científica quanto
figuras dos códices pré-colombianos do México. Uma pintura narrativa, a pintura
que conta, pintura que é mito, lenda, fábula, adivinhação. Muito de seu
trabalho consistiu em tratar temas relacionados com os acontecimentos que
ocorriam em lugares como Vietnam, Santo Domingo e Alabama. Sua produção dos
anos 60 teve um acento político e espiritual. Em entrevista publicada na Revista Proa (Janeiro - Fevereiro de
1999, Buenos Aires, Argentina), Ana Martínez Quijano comenta: “Peggy Guggenheim
conta em suas memórias que o FBI pretendia que ela o acusasse de ser um
espião”. Matta responde: “Sim” e nos diz mais: “Me acusam de qualquer coisa. Um
dia peguei uma maleta e nunca mais voltei. Mas nos Estados Unidos tinha muita
coisa, havia comprado objetos peruanos e mexicanos, tinha vários De Chirico
autênticos e deixei tudo com Pierre Matisse, meu marchand. Disse-lhe: quando
me instalar, você os envia para mim, mas nunca me mandou nada”. Matta é um
criador - colecionador, principalmente de sua própria obra que cresce dia a
dia. Uma coleção enriquecida no ano de 1938, ao adquirir uma edição da Caixa Verde
de Marcel Duchamp, a quem visitava regularmente em seu estúdio para efetuar os
pagamentos. Outro exemplo: em 1943 adquiriu também uma obra originalíssima do
destacado escultor e pintor suíço Alberto Giacometti (1901-1966).
Nos anos seguintes realizam-se várias exposições da obra de Matta em
diversas partes do mundo e o artista participa em inúmeros eventos artísticos.
Em 1985 recebe a medalha de ouro das Belas Artes no Museu do Prado na Espanha;
em 1991 o Prêmio Nacional de Arte no Chile; em 1992 o Prêmio Príncipe de
Astúrias das Artes; em 1995 o Prêmio Imperial, pela obra de toda uma vida no
Japão, em 1998 o Prêmio de Honra no Art Miami, USA. Realizam-se retrospectivas
de seu trabalho no centro Pompidou em Paris, em Tóquio, Bochum - Alemanha,
Milão, Buenos Aires, Santiago e no Museu Reina Sofía na Espanha no ano de 1999.
Uma trajetória de êxito e honra. Ele é antes de tudo uma consciência lúcida da
história universal da arte do século XX; soube permanecer só e dizer não. Iluminam-no os dois sóis, uma vez mais
Octavio Paz acerta no alvo, o da praça e
o da cela, nas palavras de Matta: “esse sentimento de homem abandonado,
quase desesperado, se parece à condição do artista em seus primeiros anos,
quando o artista vai em busca de uma linguagem”. Não pára de pintar, esculpir,
desenhar com computadores, iluminar, discutir, comover; vive em Londres, se
instala em Paris, viaja para o Chile, Argentina e Peru, visita várias vezes La
Habana, volta ao México, se instala em Tarquinia, ao norte de Roma, onde morre
aos 92 anos .
revista
de cultura # 54
Fortaleza, São Paulo - novembro/dezembro de 2006
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